domingo, 17 de outubro de 2010

O teu lugar




Hoje fui à praia.
Coisa que não é propriamente estranha em mim, já que o faço com frequência, não estivéssemos nós a meados de Outubro.
Ainda não é Inverno, mas já apetece a mantinha à noite no sofá e um aconchego na cama.
Esteve um dia bastante agradável, o que permitiu ainda despir a camisola e sentir o calor do sol na pele.
Tenho saudades da praia de Inverno e quando falo em praia de Inverno, não falo em dias como este (e ainda não é) simpáticos e apelidados de verão de São Martinho, falo sim, daqueles que ninguém se lembra de ir...mas nós íamos...daqueles dias à anúncio da Nescafé, dentro da carrinha com um frio a arrepiar a espinha ao som de I can't see clearly now the rain is gone mas não havia melhor lugar no mundo para se estar, mas principalmente não existia outra companhia que eu desejasse mais estar. Nasceu em mim o gosto pela praia no Inverno, contigo. Não é passar, ou estar perto, mas sim estar lá, apenas a ver o mar, a usufruir de todos o silêncio e apenas contemplar
Não só saudades destes momentos, mas também.
Contigo aprendi a gostar das queijadas de Sintra, das Azenhas do Mar, do pequeno almoço em Mafra às oito da manhã, o silêncio nas ruas e nós felizes por ali estar, após estarmos acordados desde as três e meia da manhã e um não sei quantos quilómetros feitos, porque a tua profissão assim o obrigava e eu feliz por poder te acompanhar a agradecer aos meus pais por me autorizarem a fazer este programa por demais alternativo, afinal de contas eu ainda era menor, mas eles tinham confiança em ti.
Contigo aprendi a gostar de Sisters of Mercy, The Cult e outros tantos a caminho de Porto Côvo, Vila Nova de Milfontes, Zambujeira do Mar quando era ainda um pleno deserto, mas nós não precisávamos de mais ninguém porque nos tínhamos um ao outro e era o que bastava.
Falávamos horas a fio,tínhamos sempre assunto, mais tu do que eu, os sete anos de distância da nossa idade permitia-te mais conhecimento e eu ouvia-te, e como gostava de te ouvir..
A cumplicidade que nos unia era alta, por vezes bastava um olhar para adivinharmos o que o outro estava a pensar, terminávamos as frases um do outro e sorríamos um para o outro com a mesma intensidade da primeira vez, ou até mais..Aliás, mais, com toda a certeza.
Contigo aprendi a conduzir (céus!) numa Mitsubishi L300, uma carrinha enorme com mudanças no guiador o que não ajudava de todo! Mas tu, com toda a paciência do mundo que sempre tiveste, davas-me directrizes e lá ia-mos nós pelas docas dos olivais afora.
O chegar a casa depois das aulas e perguntar Como está o jantar? à minha mãe porque às 21h era hora de café contigo, em boa verdade nem sempre era café, apenas pretexto para estarmos juntos, uns dias apenas para dar uma volta, outros para irmos à garagem fazeres o teu hobbie, pintar carros, motas e aviões, o que gostavas de o fazer. Os fins de semanas eram preenchidos com tardes a passear de mota, quando o tempo o permitia, a tua Virago 250, que fazia um vistão naquela altura, não sendo a meteorologia simpática para nós, íamos de carrinha, o que interessava era estarmos juntos e passearmos até onde a vontade e as horas que permitiam o meu horário escolar e o teu horário de trabalho, ou neste caso o horário que os meus pais impunham. Não me esqueço a felicidade que crescia em mim, das surpresas que me fazias, ao descer as escadas da António Arroio e ver que estavas lá para me vires buscar, ainda bem que não havia telemóveis nesta altura, não pagariam a alegria da surpresa e de correr pelas escadas até chegar junto a ti. Não me esqueço também quando ao chumbar de ano os meus pais por castigo me cortaram os cafés contigo por acharem que eu estudava pouco por isso mesmo, talvez sim, mas lá está, se voltasse atrás faria o mesmo sem arrependimento nenhum, porque o que eu queria era estar contigo. Durou pouco o castigo, conquistaste o meu pai e assim o convencias. Era nato em ti conquistares pessoas de quem gostavas.
Este ano dei-me conta que já foi à dez anos...numa daquelas coincidências da vida, conheci a tua filha e fiquei sem chão assim que a vi ao constatar as por demais evidentes semelhanças fiquei feliz e ao mesmo tempo com um nó no estômago.
Ao ver os teus pais gelei, dirigi-me ao teu pai, reconheceu-me de imediato e ficou indignado ao lhe perguntar se se lembrava de mim...Como podia-me esquecer de ti?
A tua mãe envelheceu...demais.
A conversa durou ainda um algum tempo, com a sensação agradável de estar perante pessoas que fizeram parte do meu passado, mas ao mesmo tempo com uma sensação desconfortável porque o elo que nos ligava já não existia. No meu pensamento apenas a vontade de não se falar de ti, por não saber a reacção que iria ter, ou melhor, por saber é que não a queria. Tenho consciência que a capa de imunidade e de frieza perante situações delicadas que tenho numa circunstância vulnerável como esta cairia por terra.
Ouvia o teu pai a falar e por vezes tocava no teu nome, que me custou, eu ouvia-o,a tua mãe calada, nunca foi mulher de grandes conversas e eu focada na tua filha, alheada da nossa conversa, alheada da pessoa que acabara de conhecer e eu com uma vontade enorme da abraçar e passar horas a falar de ti, das nossas aventuras, das conversas e de tudo o mais, de lhe dizer o quanto especial era o pai dela....mas....é só uma criança, ela terá sempre alguém ao lado dela que lhe lembre até ela própria ter sempre presente esse facto.
Os meus amigos que estavam comigo, nem nunca saberão o que senti naquele momento, não há forma de o explicar, nem maneira de eles o compreenderem, simplesmente porque só eu sei. A minha familia também o sabe, porque o viveram comigo, mais ninguém na minha vida o saberá o turbilhão de emoções que tive naquele momento, até porque tive sempre presenta na minha cabeça se haveria o dia que conheceria a tua filha.
Dez anos. Passaram-se dez anos e não há um dia que não me lembre de ti, não há um dia que em algum momento não tenha saudades tuas.
Fiquei sem chão no dia que soube e até hoje ainda não o consegui recuperar de todo, por mais pessoas que tenhamos à nossa volta e todas elas tem o seu grau de importância, ninguém substitui ninguém, o teu lugar era muito grande para ser preenchido.
Contigo aprendi uma grande lição....a amizade, aquela amizade no matter what do estar presente, do acompanhar, do fazeres 300km para me ires raptar à terra ou simplesmente para fazeres uma refeição comigo e depois voltares porque tinhas de trabalhar no dia a seguir, do falar, do olhar, do tocar, do abraço no momento certo e do sorriso...não me esqueço do sorriso, soubemos parar no momento em que ficamos em dúvida se seria só amizade ou algo de mais....em caso de dúvida, optar sempre pela amizade ainda que fique um gosto amargo na boca, talvez sim, não sei, fazias-me feliz, sempre fizeste.
O meu pai disse-me uma frase no dia que nos tocaram à campainha a dar a pior noticia de todas, que até hoje ecoa na minha memória.
Homem simples e honesto nos seus pensamentos e palavras mas nem sempre subtil na escolha dos momentos, tu sabes, conheceste bem, como gostavas dele, como ele gostava de ti (aliás, todos lá por casa) foi ele que quebrou o silêncio na primeira vez que foste jantar lá a casa, tu à procura de um buraco e ele a fazer uma brincadeira que nos fez rir a todos. O meu irmão ajudou também, a alegria imensa de ter os meus homens juntos numa sala só para mim
Contigo aprendi o significado do momento, de vive-lo, de aprecia-lo, do My heart took a picture, da importância de tudo à nossa volta, do nascer e do pôr do sol, da beleza que há em tudo e de retirar o de bom que as coisas ou as pessoas tem, até hoje o faço, ensinaste-me a relativizar e a aprender com os erros, os nossos e os dos outros, mas acima de tudo fizeste-me acreditar que a espécie humana tem uns seres extraordinários, que há quem lhes chame de alma gémea. Se assim é. Eu consegui conhecer e ter a minha e agradeço por isso.
Partiste antes do teu tempo, antes que o filme acabasse, antes que a melodia deixasse de tocar mas não do meu íntimo, o teu lugar.
A parte da revolta não passou, porque não consigo encontrar resposta ao sucedido e não há lugar em mim para frases feitas que se vão ouvindo em momentos menos felizes, o tamanho da injustiça é por demais grandiosa para conseguir explicação em alguma frase dita.
Assim como não perdoo e nunca perdoarei a uma pessoa por nos ter afastado no teu último ano de vida, cedo aprendi que não se deve de ter rancores de estimação, porque nos fazem mal e nos corroem, mas é por demais grave para passar por cima. O ciúme também corroí, ainda assim há muito boa gente por aí a practicá-lo e a espalhar por pessoas que se amam mas em amizade, será que é difícil entender isto? Ou a insegurança é maior para o não conseguirem perceber? Não se faz.
Parte do recado para ela, em letras pequenas porque não me orgulho do que vou escrever..Não o conseguiste ter de qualquer das formas. Por muito que me custe o que acabei de escrever, é o que sinto.
A parte do sorriso aparecer por alguma situação que me lembre e pense Como seria se ele aqui estivesse? ou em alturas como agora ao escrever este texto, soltar uma lágrima, porque custa, porque dói, muito, porque sinto a tua falta, solto uma lágrima, várias até, mas é a minha maneira de te recordar e de viveres em mim.
Passaram dez anos e continuo a dizer/pensar....Obrigada por teres existido e seres parte de mim
Não foste um sonho, mas poderias ter sido e por isso tenho saudades tuas, todos os dias.


Este é o teu lugar em mim...always in my mind

"In many years they may forget
This love of ours or that we met
They may not know
How much you meant to me

I cried for you
And the sky cried for you
And when you went
I became a hopeless drifter
But this life was not for you
Though I learned from you
That beauty need only be a whisper"


domingo, 3 de outubro de 2010

Message in a bottle

Há barcos que têm destino certo, há barcos com portos seguros e existem os tais que andam à deriva, em mar alto, vivem nas águas calmas em momentos que basta abrir a vela e ir ao sabor do vento, talvez sem destino, mas a contemplar a passagem por novas e entusiasmantes experiências, mas há o dia que chega e sem esperar, até estava sol, o vento favorável mas sem que nos tenhamos dado conta, o barco vira.
Recomeçar é bom, muito bom, mas chega a uma altura que não se consegue ter a capacidade de endireitar e pôr a vela e voltar.